Antes do meu pai morrer, ele escreveu uma carta pra minha mãe, pro meu irmão e pra mim. Na época eu até li, mas tinha dez anos e não percebi muita coisa. Devo ter lido mais tarde de novo, mas não lembro. Aí revirando uma gaveta, minha mãe achou uma cópia e me deu, dizendo que eu deveria reler. Ok. Eu tinha esquecido do quanto ele ficou religioso no fim. É deus pra cá, senhor pra lá. Mas se o confortava, ótimo. E sempre com o pé no sonho, dizendo que estávamos muito bem amparados por milhares de amigos. Citou um a um, mal sabendo que foi só ele morrer que não sobrou ninguém do nosso lado. Mas até achei bom que ele continuou com essa visão otimista na hora de morrer, porque se ele soubesse como seria com certeza morreria muito mais angustiado. Enfatizou horrores pra minha mãe não abandonar a minha avó e tia (mãe e irmã dele), sendo que elas foram as mais sacanas e até trocaram o telefone pra gente não entrar em contato. Achei que pra mim, os recados foram meio clichês. Mas também, ele não me conheceu. Eu tinha dez anos, ficava difícil. E sempre, sempre se sentindo muito culpado. Achoadequado, mas enfim. Eu não sei se eu queria que ele estivesse otimista desse jeito ou mais realista, quando morreu.
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Eu tenho que parar de achar que as pessoas têm que pagar eternamente pelos erros que cometeram.
